Os dias têm se reduzido ao tamanho da tristeza. Com a pandemia da Covid-19 e os estressores dela decorrentes, tornou-se mais intensa a sensação de desânimo, de desalento, o que aumenta a importância do debate sobre a depressão. Essa é a proposta da Semana Estadual de Prevenção e Combate à Depressão, instituída pela Lei 4.711/2015 e que, neste período de pandemia, tem relevância acentuada. Arte: Luciana Kawassaki
Aprovada pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALEMS) em agosto de 2015, a Lei 4.711, de autoria da então deputada Antonieta Amorim, foi sancionada pelo governador Reinaldo Azambuja em 2 de setembro daquele ano. Conforme o dispositivo, a campanha é realizada anualmente na semana em que está o dia 12 de abril. Nesses dias, a sociedade e o Poder Público estimulam o debate sobre a prevenção e o enfrentamento da depressão e os problemas a ela relacionados, como o suicídio. Arte: Luciana Kawassaki
A discussão sobre essas questões, necessária em qualquer época, tornou-se crucial com a pandemia. Parte significativa da população brasileira enfrenta problemas no estado de ânimo: 40% dos brasileiros se sentem frequentemente tristes ou deprimidos e 52,6% ficam, diversas vezes, nervosos ou ansiosos. Os números são da pesquisa ConVid, realizada, no ano passado, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A situação é mais crítica entre as mulheres: seis em cada dez se sentem, com elevada frequência, ansiosas ou nervosas; e praticamente metade (49,8%) fica triste constantemente. Também os adolescentes sofrem impactos emocionais acentuados com a pandemia: a tristeza contínua ou muito frequente atinge 32% dos brasileiros de 12 a 17 anos; e 48,7% deles se sentem irritados sempre ou diversas vezes. Arte: Luciana Kawassaki
Outro resultado verificado na pesquisa, e que concorre para a tristeza e demais alterações do humor, diz respeito ao agravamento de problemas financeiros. A pandemia afetou profundamente a renda dos brasileiros: 62% das famílias foram prejudicadas, sendo que 55% sofreram queda na receita e 7% ficaram sem rendimento.
Esse cenário pode aumentar os fatores de risco para o suicídio, problema que, mesmo antes da pandemia, já apresentava números preocupantes. O Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, mostra que 4.610 sul-mato-grossenses cometeram suicídio entre 1996 e 2019. Apenas nesse último ano, foram 264 casos, o que corresponde a cinco mortes por semana.
ALEMS no enfrentamento à depressão e ao suicídio
Todos esses problemas recebem da ALEMS atenção à altura. Além de estimular a intensificação do debate e da reflexão na Semana Estadual de Prevenção e Combate à Depressão, a Casa de Leis se preocupa, continuamente, com questões relativas à saúde mental. Arte: Luciana Kawassaki
Incluindo a Lei 4.711/2015, foram aprovadas pelos parlamentares sete leis desde 2015 que visam prevenir e combater a depressão, o estresse e outras doenças ligadas à saúde mental e ao suicídio. Há também atenção especial aos professores, que têm pesada rotina de trabalho. A legislação, originada na ALEMS, visa, ainda, à proteção da saúde mental dos adolescentes e das gestantes.
Além dessas leis, três propostas concernentes à saúde mental tramitam no Parlamento. São os Projetos de Lei 98/2020, de autoria do Professor Rinaldo (PSDB), 218/2020, do deputado Marçal Filho (PSDB), e 22/2021, do Capitão Contar (PSL). Esses projetos consideram os reflexos da pandemia na saúde mental dos sul-mato-grossenses.
A primeira proposta determina a realização de campanhas de conscientização e prevenção à violência autoprovocada durante o período da pandemia. O Projeto 218/2020 institui a Política Estadual de Atenção à Saúde Mental das Vítimas da Covid-19. E a terceira proposição cria a Política de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome da Depressão.
O assunto precisa ser discutido Mariela: "A sociedade precisa discutir mais sobre saúde mental"
“A sociedade precisa discutir mais sobre saúde mental e suas características na escola, no mercado de trabalho, na família, etc.”, defende a psicóloga Mariela Nicodemos Bailosa. Falar sobre o assunto é importante para superar o desconhecimento e, por decorrência, os preconceitos. “A relativização do sofrimento alheio, piadas, comentários pejorativos, falta de oportunidades, capacitismo [preconceito contra pessoas com deficiência], invalidação dos sintomas e queixas, a não garantia de tratamento, entre outras, são exemplos da realidade que as pessoas que sofrem com algum tipo de deficiência ou transtorno mental enfrentam”, ilustra a psicóloga.
Além de ampliar a discussão sobre a depressão, é preciso, de acordo com Mariela Nicodemos, definir estratégias de enfrentamento ao problema. Nessas estratégias, ela menciona a garantia pelo Estado de tratamento adequado, que favoreça a autonomia, funcionalidade, produtividade, desenvolvimento pessoal e participação social dos sujeitos. A psicóloga também destaca a importância da atuação da rede de apoio direta do paciente como um núcleo central de acolhimento e suporte frente às adversidades diárias, o que fortalece vínculos que ajudam na adesão e resposta ao tratamento.
Mariela observa que alterações de comportamento não significam, necessariamente, desenvolvimento de um transtorno mental. “Pode ser apenas uma resposta de adequação e sobrevivência às novas exigências da vida”, afirma. Ela explica que, como seres sociais, nós mudamos nosso comportamento conforme a interação com o meio. “E como estamos expostos a situações de estresse ou preocupações significativas (pandemia, isolamento, dificuldade financeira, etc.), nosso comportamento será alterado”, nota a psicóloga.
No entanto, é preciso observar a frequência e intensidade dessas alterações. “Vale ficar alerta para alguns dos sinais de sintomas que sofrem alteração no caso da depressão: sono, apetite, nível de energia, concentração, autoestima, ansiedade, culpa, desesperança, mudanças de humor, perda de interesse, solidão, tristeza, automutilação, choro excessivo, falta de concentração, lentidão durante atividades, abuso de substâncias, pensamentos suicidas”, enumera a psicóloga. “Nem todo mundo sente tudo, muito menos da mesma forma. Cada pessoa é única e não podemos comparar uma a outra”, acrescenta.
Projeto promove a saúde mental com atenção à defesa dos direitos humanos
A preocupação com a saúde mental deve ser de todos, como evidencia a lei que instituiu a Semana Estadual de Prevenção e de Combate à Depressão. É importante, assim, mencionar, nesta semana, iniciativas sociais de promoção da saúde mental em Mato Grosso do Sul, como é o caso do projeto À Flor da Pele, fundado e gerido por mulheres, majoritariamente negras. O projeto auxilia profissionais de Psicologia a entrarem no mercado de trabalho e oferece à população atendimentos com valores sociais ou gratuitos. Danielle Ferreira, diretora-executiva do projeto À Flor da Pele
O trabalho de promoção da saúde mental pela À Flor da Pele é feito no âmbito dos direitos humanos. “Acreditamos que não é possível se falar ou promover saúde mental sem antes ter um debate sobre inclusão e defesa dos direitos fundamentais. Nosso compromisso é estender esses debates e ter uma prática de uma Psicologia crítica, comprometida com os direitos humanos”, informou Danielle Ferreira, fundadora e diretora-executiva do projeto.
“Na À Flor da Pele, usamos como slogan e mantra a frase ‘Nenhum sofrimento deve ser sentido sozinho. Procure ajuda’. Acreditamos que o que tem adoecido mentalmente a população é o processo de individualização que o neoliberalismo trouxe”, considera Danielle. “Hoje em dia é muito difícil conseguirmos tirar um tempo de qualidade com as pessoas que amamos, fazer as coisas que gostamos. Entramos em estado de alerta permanente, que gera uma sensação de sobrevivência. Criar redes de apoio, compreensão, acolhimento e cuidado são essenciais nesses tempos em que estamos vivendo. Não há atalhos para saúde mental. O caminho é longo e coletivo, porém é possível, necessário e urgente. A pandemia tem mostrado isso”, afirma.
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