Um plano arquitetado nos mínimos detalhes por um delegado, com o intuito de furtar 100 quilos de cocaína apreendidos pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) e armazenada em delegacia do interior do Estado, acabou frustrado e revelou uma trama que teve de prédio da delegacia mapeada a escolha a dedo do dia em que a droga seria furtada. O plano, que tinha tudo para ser infalível, mas culminou na condenação do delegado e mais duas pessoas, teve como palco a delegacia de Aquidauana, a 135 quilômetros de Campo Grande. O objetivo final era negociar a carga milionária com traficantes que eram os donos da carga apreendida pelos agentes federais.
O delegado da Polícia Civil Eder de Oliveira é o personagem central da história descoberta no dia 10 de junho de 2019, quando percebeu-se que os 100 quilos de cocaína ‘sumiram’ misteriosamente da delegacia. Em uma delação premiada feita à Corregedoria da Polícia Civil, os comparsas do delegado, a advogada Mary Stella e seu marido, Ronaldo Alves de Oliveira, revelaram detalhes de como foi organizado todo o processo para a retirada da droga da delegacia.
No documento a que o Jornal Midiamax teve acesso, Mary Stella revela que o delegado Eder a chamou, logo após a apreensão da droga que foi depositada no prédio da delegacia. Eder pediu para que ela checasse com seu marido Ronaldo o valor do quilo da cocaína no mercado, já que o homem conheceria compradores. Ainda segundo o depoimento, Eder teria combinado com o casal o valor de R$ 100 mil para que o plano fosse colocado em prática. A cocaína apreendida estava sendo negociada com terceiros e a suspeita é que a droga pertencia ao grupo criminoso que 'perdeu' o carregamento durante a batida da PRF.
Decidido a colocar o plano em prática, o delegado Eder apresentou para Mary Stella detalhes do prédio da delegacia e registros fotográficos de pontos ‘frágeis’ do local foram feitos por ela. Eram locais onde câmeras de segurança não filmavam, os conhecidos 'pontos cegos'. As fotos foram enviadas pela advogada para o celular do marido.
Conversas de WhatsApp, do dia 11 de junho de 2019, mostram transferências bancárias feitas para a conta de Mary Stella. O dinheiro era depositado na conta da advogada para que não ficasse registrada a entrada de valores na conta do delegado Eder, que por sua vez recebia o dinheiro até em sacolas de perfumes entregues pela advogada a ele.
Execução do plano e substituição por cal
Com o mapeamento da delegacia pronto, era a hora de escolher os dias para a subtração da droga. A decisão foi retirar o carregamento do prédio em duas etapas. Os dias escolhidos para o ato criminoso foram aqueles em que estaria de plantão um policial conhecido por ‘ter medo’ de averiguar barulhos que escutava no pátio da delegacia.
Com tudo arquitetado, o delegado Eder pediu para que Ronaldo e Mary Stella contratassem alguém para poder executar o furto e entrar na delegacia pelos fundos para invadir o depósito. O próprio delegado, conforme a delação premiada, foi quem quebrou a alavanca de uma das janelas da delegacia, o que facilitaria a retirada da cocaína que estava em sacos transparentes armazenados em prateleiras. Uma escada foi usada para que os comparsas contratados pudessem pular o muro de 2,5 metros e entrar no local.
Mas, o plano que parecia ser perfeito, acabou caindo por terra por um erro. Tudo começou quando um carro Toyota Corolla que levaria a droga da delegacia acabou passando em frente ao prédio. No local havia câmeras de segurança que flagraram o veículo.
Para o primeiro dia de retirada da cocaína da delegacia, foram contratados dois presos do semiaberto. Eles receberam cada um R$ 10 mil pelo trabalho, e um deles acabou comprando uma motocicleta no valor de R$ 8 mil. Mas, como foram penalizados no semiaberto por não se apresentarem no horário marcado, a situação poderia levantar suspeitas e eles acabaram ficando de fora do segundo dia de retirada da droga, que aconteceu na madrugada de domingo para segunda, em 10 de junho, dia em que se descobriu o furto da droga.
Na segunda retirada da cocaína, foram cerca de 30 minutos entre a invasão no prédio, o furto da cocaína e a saída, sendo que o embarque da droga no Corolla demorou cerca de 40 segundos. A cocaína iria ser substituída por pacotes de cal e a ideia era que ninguém perceberia a troca, já que a incineração da droga estava marcada para dali algum tempo.
Pagamentos
O delegado Eder de Oliveira teria recebido em ocasiões diversas, na rua e até dentro da própria delegacia, valores da advogada Mary Stella referente aos pagamentos pelo furto a cocaína. Ao todo, segundo a delação. foram três repasses de R$ 5 mil, depois R$ 15 mil e mais R$ 20 mil. O dinheiro era depositado na conta da advogada para que não deixasse rastros na conta do delegado.
Marido de Mary Stella, Ronaldo disse em delação premiada que do valor acordado para o furto, recebeu apenas R$ 80 mil, já que com a descoberta precoce do sumiço da cocaína não houve tempo de receber o restante.
Investigação
Com a descoberta do sumiço da cocaína da delegacia, a Corregedoria da Polícia Civil foi até Aquidauana para apurar o acontecido. Operação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) também foi deflagrada com intuito de apurar responsabilidades do sumiço. O delegado, conforme depoimentos, chegou a dizer para policiais que não era necessário esforço deles para descobrir quem eram os autores do furto da droga, já que todos ali seriam suspeitos.
No dia 8 de julho de 2019, logo após as investigações terem iniciado com a Corregedoria, o Gaeco deflagrou a operação Balcão de Negócios, que cumpriu 12 mandados de prisão. Neste dia, o delegado Eder chegou a orientar Mary Stella e Ronaldo para cometerem novo crime, dessa vez o delegado queria que o carro usado pelos agentes do Gaeco fosse interceptado, o objetivo era que celulares apreendidos na operação fossem furtados e dificultasse a elucidação do sumiço da droga.
A defesa de Eder ainda tentou derrubar a delação premiada feita pela advogada e o marido para a Corregedoria à época, mas o pedido do delegado foi indeferido pelo juiz de direito Ronaldo Gonçalves Onofri, já que tanto Ronaldo como Mary Stella disseram ter feito a delação de forma espontânea.
Condenação
Foi determinada pela Justiça a perda do cargo o delegado, assim como, a pena de 14 anos e sete meses em regime fechado pelo crime. Na decisão, a Justiça alegou que Eder estava envolvido com grupo criminoso e utilizou de sua posição para facilitar o furto da droga. Ainda há brecha para recorrer na Justiça. Em março deste ano, ele foi demitido da Polícia Civil. Ele também foi condenado a 37 anos de prisão por estupro de vulnerável.
Já a advogada Mary Stella foi sentenciada a 6 anos de reclusão e seu marido Ronaldo foi condenado a 20 anos.
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