Com voz pausada e calma, Clarice Silvestre disse estar arrependida e justifica esfaqueamento e esquartejamento
Miúda, de cabelos enrolados e curtos, de óculos e vestindo camisa branca, Clarice Silvestre de Azevedo, 45, descreveu com fala pausada e calma como matou o chargista Marco Antônio Borges, em 2020. Relembrou o relacionamento, a discussão e as facadas no pescoço e coração. “Fiquei sentada olhando; ele ficou agonizando durante cinco minutos até parar de respirar”.
Clarice e o filho, João Victor Silvestre de Azevedo, 22 anos, estão sendo julgados hoje, pela 1ª Vara do Tribunal do Juri, pela morte do chargista. Ela, por homicídio qualificado (por motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima), além da ocultação e destruição de cadáver. O rapaz, por ocultação de cadáver, pois ajudou a mulher a se livrar do corpo.
Antes de Clarice falar, o delegado titular da DEH (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídio), Carlos Delano, prestou depoimento, explicando como foi a investigação e como chegou até a massoterapeuta. A investigação concluiu que a briga foi estopim para problema entre os dois: Clarice e Marco mantinham relacionamento que o chargista não queria assumir publicamente.
Durante este depoimento, o juiz Carlos Alberto Garcete pediu que levasse ao plenário a mala onde o corpo foi colocado e queimado. O filho da vítima, Kelvis Rodrigues Borges, 26 anos começou a chorar e foi amparado por familiares.
Logo em seguida, Clarice entrou no plenário. A pedido da Defensoria Pública, o juiz não permitiu imagens da ré, salvo desfocadas. A última vez que ela havia prestado depoimento foi durante a prisão e investigação policial. Na fase de audiências de instrução ela preferiu manter o silêncio.
Com tom baixo, foi necessário arrumar o microfone para que todos pudessem ouvi-la. Questionada, respondia ao juiz, promotor e defensor: Clarice disse que era massoterapeuta havia quatro anos e aplicava massagem tântrica, que trabalha consciência corporal e trabalha experiências sensórias antes do sexo. Ela e o chargista se conheceram em dezembro de 2019, no bar da esquina da casa dela, na Rua Pedro Celestino.
Segundo ela, os dois começaram a conversar por motivos profissionais: sendo chargista, fazia arte para divulgar o trabalho dela em troca de massagem.
Clarice negou a versão da Polícia Civil de que queria relacionamento com o chargista. Alegou que sabia da intenção dele de voltar com a ex, que também não tinha tempo, por estar focada no trabalho e nos estudos. Porém, durante o interrogatório, entrou em contradição, lembrando conversas em que indagava o porquê de não serem namorados. Em uma dessas conversas, ele teria dito: “não, vou arrumar namorada e você vai ser minha amante”.
De acordo com ela, Marco Antônio tinha vergonha da profissão dela, que trabalhava na massagem com energia sexual dos pacientes. “Mas não tinha da sexual”, enfatizou.
Discussão – Clarice apresentou sua versão do dia do crime, 21 de novembro de 2020. Disse que o chargista foi até a sua casa e, depois de tomar banho, começou a briga. A discussão, segundo ela, começou porque ele se irritou com o fato dela ter comentado que havia desmarcado horário com paciente, por um acaso, amigo dele. Na denúncia, consta que o motivo foi uma foto dele com uma mulher, encontrada no celular.
A massoterapeuta disse que os dois já haviam discutido antes pois o chargista não aceitava que ela atendesse amigos dele. “Cheguei a ter crises por causa desse controle”. Naquele dia, a discussão evoluiu para agressão: depois de ser chamada de “vagabunda” e “prostituta”, foi jogada na cama com empurrão.
Na versão dela, tentou se levantar e foi empurrada novamente. Foi quando deu empurrão nele. Nu, rolou a escada e caiu desorientado. Neste momento, achou que ele pegaria uma as pedras que ficavam como enfeite no pé da escada. “A minha sensação é que ele ia pegar a pedra e me atacar”.
Aproveitou para pular sobre ele e buscar faca na cozinha. Clarice disse que a intenção era acertá-lo no braço, mas, por conta da movimentação dele, o atingiu no pescoço e, depois, próximo ao coração. “Só parei porque a cachorra começou a latir muito”, se recordou.
Depois disso, assistiu Borges em agonia. Desorientada, saiu de casa e foi até o bar da esquina conversar com a proprietária. Ajudou a varrer a calçada e colocar mesas. Depois, foi tomar garapa e, na volta, comprou sacos de lixo e produtos de limpeza. Ligou para o filho por volta das 12h e disse: “só falei que tinha feito uma besteira, uma coisa muito errada”.
Enquanto o filho não chegava, Clarice ficou pelo bairro, andando com a cachorra e evitando ficar na casa. “Única coisa que queria era tirar o corpo de dentro de casa”.
João Victor só foi até a casa da mãe no fim da tarde, por volta as 18h. O rapaz se assustou e disse para que ela chamasse a polícia, mas Clarice insistiu em se livrar do corpo e que precisava da ajuda dele. a ideia do esquartejamento partiu dela, admitiu em depoimento.
Juntos, cortaram o corpo em pedaços. “Como o sangue estava cheirando forte, lavei partes com QBoa” disse.
Depois disso, o corpo foi colocado em malas e Clarice chamou uma motorista de aplicativo, conhecida dela. Disse que precisava levar as bagagens com roupa para a casa do filho, no Jardim Corcovado.
Perto do terreno baldio escolhido para desovar as malas, no cruzamento das Ruas dos Pampas e Nova Europa, estava sendo realizada uma festa. Os dois aguardaram a movimentação diminuir para jogar as malas e atear fogo.
“Eu gostava dele, muito, me arrependi muito do que eu fiz”, disse, em um dos momentos em que se emocionou durante o depoimento.
Fuga – Clarice logo se tornou suspeita do crime, depois que o filho da vitima, analista de sistemas, conseguiu rastrear os passos do pai que terminaram na casa dela. Foi interrogada e liberada, mas, com medo e acreditando que seria presa logo, resolveu sair da cidade. Foi para Coxim e, depois, São Gabriel do Oeste, para encontrar filha a quem queria deixar assistida, disse.
Convencida pela filha, resolveu se entregar e se apresentou à polícia. “Policial meio que não acreditou, mas ligou para Campo Grande“. Depois disso, foi transferida para capital.
Chorando, disse que, por mais que ele a tenha agredido, disse saber o que fez “não era certo”. Sempre em tom pausado e baixo, comentou. “Eu gostava dele, muito, me arrependi muito do que eu fiz”, chorou. “Só eu sei a dor que carrego no peito”.
Logo depois, João Victor prestou depoimento, falou sobre a mãe, que cuidou deles sozinha e relatou o que tinha ocorrido e, enquanto ajudava a mãe a cortar o corpo, "chorava pensando nos filhos".
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