A Embrapa está desenvolvendo protocolos para avaliar, modelar, mapear e monitorar os serviços ecossistêmicos do solo em áreas de intensificação sustentável da produção agrícola. No Brasil, a área de estudo será o Matopiba, região de expansão agropecuária formada pelos estados do Tocantins e partes do Maranhão, Piauí e Bahia.
O projeto Soil-ES integra uma iniciativa internacional, com ações equivalentes acontecendo na Argentina, no Uruguai e na Colômbia, com financiamento da União Europeia e parceria de uma instituição de pesquisa da França.
Os indicadores e os protocolos serão desenvolvidos e adaptados para as condições da América do Sul, com o objetivo de apoiar sistemas de pagamento por serviços ambientais, mercados de carbono e planejamento territorial para uma agricultura sustentável.
À frente do projeto no Matopiba, a pesquisadora Rachel Prado, da Embrapa Solos (RJ), explica que os serviços ecossistêmicos do solo são pouco conhecidos e muitas vezes negligenciados, principalmente na tomada de decisão e nos mecanismos de compensação econômica. Por isso, a iniciativa envolve avaliar, modelar e mapear a regulação climática/sequestro de carbono, o controle à erosão, a regulação de água e a provisão de alimentos.
“Serão testados métodos relacionados à avaliação da saúde do solo também. Os métodos mais conhecidos e padronizados são para a estimativa do sequestro de carbono e fertilidade do solo. Já os métodos para a estimativa dos demais serviços ecossistêmicos do solo são diversos e alguns deles possuem custos elevados”, detalha. O objetivo dos pesquisadores é chegar a protocolos padronizados e de baixo custo.
O Matopiba foi escolhido por ser uma fronteira de expansão da agricultura brasileira, onde o uso e o manejo do solo e dos demais recursos naturais são cruciais para assegurar a sustentabilidade da produção agrícola e a qualidade de vida para todos.
“A abordagem dos serviços ecossistêmicos do solo, que evidencia os benefícios que o homem obtém da natureza, parece ser bastante adequada para alertar para a necessidade de sistemas de produção agrícola sustentáveis, como o Sistema Plantio Direto e a integração Lavoura-Pecuária-Floresta, que levam a uma agricultura de baixo carbono, além de promover paisagens multifuncionais”, argumenta a líder do projeto.
Os estudos estão concentrados nas bacias do alto rio Parnaíba e do rio das Balsas. Essas áreas foram escolhidas pela sua importância na provisão de água e relevância na produção agropecuária. “Nessa região estão as nascentes do rio Parnaíba, que perpassa e contribui com os usos múltiplos da água de diversos municípios do Maranhão e Piauí”, explica Prado.
Os pesquisadores atuam em três diferentes escalas: local, bacia hidrográfica e regional. Na escala local, estão identificando protocolos e indicadores capazes de monitorar impactos da intensificação sustentável da agricultura nos serviços ecossistêmicos do solo.
Na escala de bacia hidrográfica e no nível da fazenda, estão construindo um protocolo para o mapeamento integrado dos serviços ecossistêmicos do solo e das práticas relacionadas aos sistemas intensivos.
Para tanto, aplicam ferramentas de sensoriamento remoto e modelagem, com o objetivo de apoiar sistemas de pagamento por serviços ambientais e mercados de carbono. Já na escala regional, será desenvolvido e validado um protocolo para o zoneamento dos serviços ecossistêmicos do solo e seu ambiente, visando subsidiar o planejamento sustentável da paisagem rural, com destaque para a agricultura.
A Embrapa Cocais (MA) é responsável pelas amostragens do solo para a avaliação dos indicadores de serviços ecossistêmicos do solo, selecionados previamente, em áreas de produção das commodities soja, milho e algodão, portanto, na escala local.
O pesquisador Dirceu Klepker, coordenador técnico da Unidade de Execução de Pesquisa (UEP) em Balsas (MA), conduz, com sua equipe, experimentos de longa duração sobre a fertilidade e manejo do solo em áreas experimentais do Matopiba. Uma das áreas experimentais, localizada em Tasso Fragoso (MA), foi visitada pelos pesquisadores durante a primeira campanha de campo, que ocorreu em outubro de 2023.
“O papel da Embrapa Cocais será a aplicação do protocolo de avaliação de serviços ecossistêmicos de solo em escala local. A expectativa é aplicar e validar o protocolo em sistemas de intensificação da produção agrícola, em diferentes solos do bioma Cerrado na área de estudo, visando à produção agrícola sustentável no Brasil”, diz Klepker. A intensificação compreende o uso de diferentes sistemas de produção (agrícola, pecuária e florestal) dentro de uma mesma área de forma integrada.
“Vamos realizar a coleta de dados (solo e plantas), em escala local, em áreas em que temos instalados ensaios com diferentes sistemas de produção, onde, além de soja, algodão e milho, temos culturas de cobertura do solo, como braquiária e milheto, ademais da região do cerrado nativo, que será usada como referência”, diz o pesquisador da Embrapa Algodão João Henrique Zonta, que exerce suas atividades na Embrapa Cocais.
A expectativa é que os resultados gerados sejam utilizados como base para mercados de créditos de carbono, além de preservar a qualidade do solo. Os resultados do projeto também poderão ser usados, futuramente, para apoiar políticas públicas de incentivo às boas práticas agrícolas, de acordo com Zonta.
A partir de workshops que vêm ocorrendo com a participação das equipes dos diferentes países, os indicadores estão sendo consolidados e serão incorporados no protocolo final, sendo também definidas diretrizes para aplicação nas áreas de estudo no Brasil, Argentina, Uruguai e Colômbia.
A responsabilidade pela consolidação do protocolo e geração de um índice de serviços ecossistêmicos do solo está com a pesquisadora Romina Romaniuk e sua equipe, do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (Inta).
Na escala de bacia hidrográfica, sob responsabilidade da Embrapa Territorial (SP), o objeto de estudo consiste em duas bacias menores, a do rio Marcelino (989 km²), que está dentro da bacia do rio Parnaíba, e a do rio Verde (357 km²), que está dentro da bacia do rio das Balsas, onde estão os experimentos nas fazendas parceiras da Embrapa (escala local).
A seleção das duas bacias foi precedida de um estudo técnico, que levou em conta a extensão do território, a distribuição de registros de imóveis no Cadastro Ambiental Rural (CAR), os tipos de solo presentes e o uso e ocupação das terras.
Durante o trabalho de campo, a equipe percorreu a região pelo interior e bordas das bacias, tomando pontos georreferenciados e observando as características naturais, o estado de conservação do solo e o uso e ocupação das terras.
Os pesquisadores Angelo Mansur Mendes e Lauro Nogueira Júnior e o analista Hilton Ferraz da Silveira, da Embrapa Territorial, observaram contrastes no local. Nas áreas planas, no alto das bacias, há lavouras de grãos altamente tecnificadas. Já nos terrenos declivosos, na parte mais baixa, há pequenas propriedades, com pastos sem manejo e pouca produção agrícola.
Viram também os processos erosivos que já têm ocorrido por ali. Para Nogueira Júnior, as observações que o grupo de pesquisa fez serão importantes para compreender os resultados da modelagem para apoiar iniciativas de pagamento por serviços ambientais. Este componente do projeto conta com a expertise de equipes de instituições da França e Uruguai.
Zoneamento dos Serviços Ecossistêmicos do Solo
Também foram obtidas, nos primeiros trabalhos de campo, informações relacionadas aos solos, uso e manejo da terra, às práticas agrícolas e à conservação dos recursos naturais (uso e disponibilidade hídrica, estado de conservação e gestão das unidades de conservação, dentre outros) na escala regional, ao se percorrer mais de 2 mil km na área de estudo no Matopiba.
Houve ainda interação com atores e gestores locais-chave para o projeto. Participaram dos trabalhos de campo os pesquisadores da Embrapa Solos Rachel Prado, Elaine Fidalgo, José Francisco Lumbreras e Amaury de Carvalho Filho.
O trabalho na escala regional subsidiará a elaboração de um Zoneamento dos Serviços Ecossistêmicos do Solo. Ele será inspirado nas ferramentas que já vêm sendo utilizadas no Brasil há décadas para ações de planejamento e gestão do território, como o Zoneamento Econômico-Ecológico (ZEE) e o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc).
Será baseado em informações disponíveis, especialmente provenientes de levantamentos de solos da região e na avaliação da aptidão agrícola das terras, que está sendo analisada incluindo a aptidão para sistemas de produção integrados.
“Trará ainda informações especializadas sobre o potencial dos solos da região em prover serviços ecossistêmicos sob diferentes usos e sistemas de produção e manejo”, conta Prado. Ela acredita que o novo zoneamento e os protocolos que vêm sendo construídos, de forma integrada, poderão apoiar a regulamentação da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (Lei nº 14.119), instituída em janeiro de 2022, dentre outras políticas de incentivo aos mecanismos de compensação financeira, voltadas à sustentabilidade da agricultura.
O projeto “Serviços ecossistêmicos do solo sob intensificação sustentável da agricultura: em busca de mapeamento e monitoramento inovadores em múltiplas escalas (Soil-ES)” foi aprovado em um edital de um programa da União Europeia voltado à articulação da cooperação internacional na área científica de sustentabilidade dos solos, o European Joint Programme Cofund on Agricultural Soil Management (EJP Soil).
Outro projeto liderado pela Embrapa aprovado na chamada do EJP Soil é o “C-arouNd: Refinando práticas regenerativas e de conservação do solo para melhorar o sequestro de carbono e reduzir as emissões de gases do efeito estufa”, coordenado pela pesquisadora da Embrapa Arroz e Feijão, Mellissa Soler.
Outras 12 unidades da Embrapa são parceiras nesse projeto: Acre, Agrobiologia, Clima Temperado, Algodão, Pesca e Aquicultura, Florestas, Milho e Sorgo, Mandioca e Fruticultura, Meio-Norte, Roraima, Semiárido e Solos.
O objetivo da proposta é avaliar a influência de práticas agrícolas conservacionistas e regenerativas na ciclagem de carbono (C), nitrogênio (N) e fósforo (P) na biodiversidade do solo e nas emissões de gases de efeito estufa, com ênfase nos estoques de carbono do solo e processos que governam a persistência desse elemento químico em experimentos de longa duração.
Cooperação Internacional
Os protocolos desenvolvidos no âmbito do projeto Soil-ES serão validados nas três áreas de estudo definidas: no Pampa argentino e uruguaio, onde predomina a pecuária; em áreas montanhosas da Colômbia, com produção de café; e na região do Matopiba no Brasil, com lavouras de grãos e pecuária.
Além da Embrapa, participam do projeto o Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (Inta, Argentina); o Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (Centre National de la Recherche Scientifique, CNRS); a Universidad del Quindío (Colômbia) e o Instituto Nacional de Investigação Agropecuária (Inia, Uruguai).
“Cada vez mais se torna importante trabalhar em redes de pesquisa nacionais e internacionais em grandes temas que buscam soluções para os problemas da humanidade”, ressalta Prado.
Ela chama a atenção para a importância de temas relacionados à degradação de terras e ao uso inadequado do solo, e aos prejuízos ambientais, sociais e econômicos que esse processo acarreta.
“A cooperação e a visão interdisciplinar são essenciais para se obter avanços na pesquisa e apoiar decisões mais assertivas”, opina. A cientista revela que, para ampliar os impactos do projeto, está sendo fortalecida uma Rede de Conhecimento sobre Serviços Ecossistêmicos do Solo na América Latina.
O Inia, um dos parceiros no projeto Soil-ES, tem uma longa tradição no estudo da sustentabilidade dos agroecossistemas, particularmente em relação às propriedades do solo.
O pesquisador do Inia José Paruelo afirma que o compartilhamento de protocolos de avaliação e estruturas conceituais contribui para o desenvolvimento de visões comuns sobre a sustentabilidade dos sistemas agrícolas na América Latina, promovendo a colaboração Sul-Sul.
“A oportunidade de compartilhar metodologias e experiências e construir conhecimento e tecnologia para a sustentabilidade dos sistemas agrícolas com colegas da América Latina foi uma grande motivação para participarmos desse projeto conjunto”, relata.
Para Paruelo, as possibilidades de melhorar a sustentabilidade ambiental, social e econômica dos sistemas agrícolas estão diretamente associadas à capacidade de medir resultados.
“Ser capaz de chegar a um acordo sobre indicadores e métricas no nível regional que descrevam a oferta de serviços ecossistêmicos irá contribuir, sem dúvida, para um melhor registo do desempenho ambiental do setor agrícola uruguaio, e permitirá o desenvolvimento de melhores práticas, gestão e políticas públicas”, acredita.
Na Colômbia, serão avaliados os sistemas produtivos dos Andes, historicamente transformados pela produção de café e pela pecuária. Devido à sua geografia complexa, a Paisagem Cultural do Café, declarada Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, possui sistemas que se alternam com áreas onde ainda existem florestas preservadas.
“Esse cenário específico oferece a oportunidade única de uma comparação entre os solos originais e aqueles transformados, a fim de compreender que tipo de serviços ambientais perdemos e como podem ser restituídos”, conta o professor Hugo Mantilla, da Universidade de Quindió.
Matopiba: alto potencial e contrastes
A expectativa para a produção de soja e milho no Maranhão é de crescimento, entre 3,7% e 5,5% para a safra 2023/2024, podendo chegar de 3 milhões de toneladas a 3,77 milhões de toneladas, respectivamente. As informações estão no 5° Levantamento da Safra de Grãos 2022/2023, divulgado em outubro pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
O aumento de área plantada esperado para a soja no estado é de 3,4% em relação à safra anterior, projetada em 1,1 milhão de hectares. Por outro lado, pesquisadores da Embrapa apontam que contrastes socioeconômicos e de uso de tecnologias são observados na região.
“Os processos erosivos têm se intensificado, principalmente nas encostas das chapadas. Desafios são encontrados também em relação à disponibilidade hídrica e ao uso da água, ao abastecimento de alimentos frescos para as cidades, à infraestrutura e outros. Conhecer a dinâmica da região é fundamental para a proposição e validação de métricas e métodos mais eficazes para a avaliação dos serviços ecossistêmicos do solo, nas três escalas e para a sustentabilidade da agropecuária, que deve incluir a conservação ambiental”, explica Prado.
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