O juiz Luiz Alberto de Moura Filho condenou quatro ex-vereadores de Dourados a penas que, somadas, chegam a quase 50 anos de prisão. A sentença proferida na terça-feira (8) é fruto de desdobramento da Operação Uragano, deflagrada em 1º de setembro 2010 pela Polícia Federal, e detalha o funcionamento de um “mensalinho” com desvios de recursos públicos e pagamentos de propinas.
Embora tenha estabelecido regime inicial fechado e determinado a expedição dos mandados de prisão após o trânsito em julgado, o titular da 1ª Vara Criminal da comarca autorizou os condenados a aguardarem em liberdade eventual recurso ao processo de número 0200077-63.2010.8.12.0002.
O magistrado deu parcial proviento à acusação oferecida pelo MPE-MS (Ministério Público Estadual), embasada em gravações audiovisuais feitas pelo então secretário municipal de Governo, Eleandro Passaia, que também teve depoimentos judiciais levados em consideração.
Condenados
Para o ex-vereador Marcelo Lima, foi fixada pena definitiva em seis anos e oito meses de reclusão, assim como 140 dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos, pelos crimes de corrupção passiva e associação criminosa.
A sentença aponta para a existência de “provas suficientes nos autos de que o acusado Marcelo solicitou, aceitou e recebeu para si vantagem indevida para não fazer oposição contra o governo de Ari Artuzi”. O pagamento teria sido feito pelo então secretário municipal Eleandro Passaia, a um intermediário do parlamentar, na lavanderia de um hospital.
Outro ex-vereador condenado foi Gino José Ferreira, com pena definitiva de 13 anos e quatro meses de reclusão e 321 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos, por corrupção ativa, corrupção passiva, e associação criminosa.
“Quanto ao corréu Gino José Ferreira, vereador, tem-se que aproveitando da sua condição de vereador provocara a abertura de processo licitatório para a contratação de empresa especializada em assessoria jurídica, a qual retornaria valores oriundos da compensação de impostos”, assinalou o juiz.
Para Paulo Henrique Amos Ferreira, condenado por corrupção passiva e associação criminosa, foi estabelecida pena definitiva em 10 anos, seis meses e 20 vinte dias de reclusão, bem como 930 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos.
“No que tange ao réu Paulo Henrique Amos Ferreira, vulgo ‘Bambu’, o mesmo solicitou vantagens indevidas a Eleandro Passaia”, menciona a sentença, detalhando ainda o repasse de R$ 10.000,00 sob a alegação que se destinava à realização de evento esportivo, “no entanto, tratava-se de propina que lhe era paga mensalmente”.
A mais pesada pena, estabelecida em 17 anos e oito meses de reclusão, assim como 1.521 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos, foi fixada para o ex-vereador Aurélio Luciano Pimentel Bonatto.
O juiz citou depoimento no qual o ex-parlamentar “contou que recebeu a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) de Eleandro Passaia”. “O réu Aurélio ofereceu vantagem indevida a funcionários públicos por intermediação de Eleandro Passaia, solicitando a facilitação na contratação” de empresa de informática pelo município, “sendo que esta retornaria aproximadamente R$ 100.000,00 e em compensação o Município o ajudaria financeiramente em sua campanha eleitoral”, revelou o magistrado.
Corréus
Também foram condenados Sidnei Donizeti Lemes Heredias, Valmir da Silva, Edmar Reiz Belo, e Fábio Andrade Leite, cada um a 10 anos, dois meses e 20 dias de reclusão, bem como 1.920 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos.
Sobre Sidnei Donizeti Lemes Heredias, a sentença indica que “anuiu deliberadamente ao esquema criminoso considerado, recebendo valores desviados dos cofres públicos” através de contrato com um hospital particular.
“Quando interrogado em juízo, referido réu negou a prática delitiva. Contudo, em diálogo com Eleandro Passaia, Sidnei deixa evidente que recolhia o dinheiro desviado para repassar aos vereadores, bem como pleiteava a devolução do dinheiro do imposto das notas 'frias' utilizadas para ocultar as irregularidades”, assinalou o juiz.
Já em relação aos corréus Valmir da Silva, conhecido como 'Netinho', Edmar Reiz Belo e Fabio Andrade Leite, o juiz afirmou serem assessores do ex-vereador Sidlei Alves e assegurou que “tinham conhecimento dos atos ilícitos praticados por seu superior hierárquico e auxiliavam no recebimento das propinas, tanto que em certa oportunidade o acusado Valmir reclamou de esperar Eleandro Passaia por toda a tarde”.
Provas válidas
Ao rebater os argumentos apresentados pelas defesas dos réus no decorrer do processo, o juiz titular da 1ª Vara Criminal de Durados mencionou julgado do STF (Supremo Tribunal Federal) para afirmar que a gravação realizada por um dos interlocutores sem o consentimento do outro não precisa de autorização judicial “porque essa modalidade não se confunde com a interceptação de comunicações telefônicas disciplinada pela Lei nº 9.296/96”.
Especificamente sobre a validade das gravações feitas por Passaia que culminaram na Operação Uragano, citou ainda respaldo do STJ (Superior Tribunal de Justiça). “No caso, a gravação ambiental ocorreu no domicílio do paciente, com o conhecimento de um dos interlocutores (ex-secretário de governo que agiu na condição de informante e colaborador), sendo realizada com a devida autorização judicial. Na ocasião, o acusado convidou o servidor público municipal a entrar e permanecer na sua residência, não restando evidenciado na hipótese o caráter secreto da conversa captada, tampouco a obrigação jurídica de sigilo”, decidiu em novembro de 2014 a Quinta Turma da Corte.
Já em relação à delação premiada de Eleandro Passaia, declarada nula pelo TJ-MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), o magistrado ponderou que ele “era apenas agente público que tomou conhecimento dos crimes em razão da função desempenhada de Secretário de Governo Municipal, ao saber de possíveis ilícitos praticados por outros agentes, que pelo princípio da probidade estaria obrigado funcionalmente a noticiar os fatos”.
Ele também rebateu o argumento sobre ilicitude das provas por desatendimento à decisão judicial que as autorizou, considerando que a instauração foi precedida de comunicação ao juízo, refutou a alegação de flagrante preparado, investigação precedida por autoridade incompetente e prova produzida no inquérito policial sem contraditório cerceamento de defesa, e novamente citou respaldo do STJ para garantir que não houve violação ao Princípio do Juiz Natural e a livre distribuição do processo.
Para o juiz, configurados os crimes de corrupção passiva, peculato, fraude em procedimento licitatório e falsificação de documentos. “Faz-se a afirmativa em voga pela participação dos corréus citados e dos demais que ainda serão julgados nos processos que foram desmembrados, em razão do grande número de incautos que aderiram à pilhagem do dinheiro do povo, para satisfazer seus interesses próprios, à custa de uma sociedade cada vez mais abandonada por quem deveria zelar pela implementação de seus direitos”, ponderou.
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