Randa Kunã Poty Rory, ou Ana Lúcia Rossate, seu nome urbano, tem se destacado no cenário musical nacional e no último sábado (16/7) subiu ao palco do festival Prime Rock Brasil, na Esplanada do Mineirão, em Belo Horizonte (MG), para uma participação na música ‘Relicário’ com o cantor Nando Reis.
A rapper indígena de 25 anos é conhecida pelo nome artístico de MC Anarandà (junção de seus dois nomes) e levou ao público uma mensagem forte de ancestralidade, preservação e a denúncia sobre todos os ataques e humilhações sofridas pelos povos indígenas, de modo especial, no Mato Grosso do Sul.
Na época do radinho de pilha, Anarandà não tinha celular e nem computador para ter acesso ao trabalho do cantor, mas com o passar do tempo pode conhecer a obra do ex-Titãs e aumentou sua admiração.
“Já tinha desistido de ir ao show por causa dos ingressos, quando a minha parente Célia Xakriaba me disse que conseguiu passes artísticos para chegar até ele e ainda cantar. Fiquei muito feliz, comecei a agradecer a Deus e me preparar, porque enfrentar aquela gente toda não ia ser fácil. Sabia que depois os racistas iam falar que lugar de índio não é no palco, mas na mata andando nu, deitado na rede e não onde eles estão. Não pensei duas vezes preparei meu artesanato mais lindo pra dar de presente e fui, porque sabia que através dessa apresentação mais pessoas escutariam as nossas preces”, relembra.
Nas redes socias, Nando Reis replicou fotos do show com a legenda “Por intermédio de Célia Xakriaba, conheci a MC Anarandà do povo Guarani-kaiowá que participou de Relicário hoje no show da Prime Rock Brasil. Diante de sua presença, ouvindo seu relato, seu canto, fiquei ainda mais convicto de que o mundo está ao contrário”, disse o cantor que também levantou questões políticas que geraram polêmica nas redes.
DO CHÃO DA ALDEIA PARA OS PALCOS
MC Anarandà é natural da aldeia Guapoy, em Amambai (MS), onde deixou os pais e veio para Dourados estudar. Aos 14 anos aprendeu o português e a mistura entre as línguas foi a inspiração para se tornar professora de tupi-guarani e diversidades culturais por meio do NAIN (Núcleo de Assuntos Indígenas) Jaguapiru da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados).
A música está presente na vida da artista desde a infância, quando cantava cantigas tradicionais indígenas e gospels. Mas foi através do ex-marido, o kadiwéu Fábio Vogado, que ela conheceu a rima e entrou para um grupo REFLETIR MC’s, os dois tiveram importantes parcerias, mas após sete anos se separaram, quando resolveu seguir carreira solo.
“Foi nesse momento que comecei a cantar sobre empoderamento feminino, onde o Fabio ainda me orientava muito e juntos criávamos rimas através das minhas pesquisas sobre mulheres indígenas. Aqui sugiram as músicas ‘Jasy Tata’, ‘A lua de fogo’ entre outras sobre mulheres. só falta dinheiro para gravar e lançar clipe, como sou artista independente tudo fica mais difícil”, relata.
Hoje a artista passa um período no estado de São Paulo, onde prepara novos projetos e busca apoio para impulsionar a carreira. Mesmo com as dificuldades o rap proporcionou à MC Anarandà viajar e levar sua cultura para diversos lugares.
“Aqui no Mato Grosso do Sul eu sou a primeira mulher indígena a entrar no mundo hip hop e fui premiada pelo movimento hip hop feminista de São Paulo. Acho muito importante levar a diversidade cultural para as pessoas e ser protagonista da nossa própria história”.
MÚSICA PARA FAZER FALAR QUEM O MEDO CALOU
Além de rapper e professora, Anarandà também é embaixadora do Encasa Live, acadêmica de gestão ambiental, estuda teatro e é digital influencer. E foi na internet que ela encontrou o principal meio para transmitir sua mensagem.
“Minha relação com a rede vem da experiência que tive durante a graduação, onde senti o racismo de perto. As pessoas gritavam, me humilhavam, me faziam sentir um nada. O medo só crescia e me fazia calar. Um dia decidi tomar coragem e comecei a defender meu povo nos debates em seminário, foi aí que despertou a comunicação em mim, comecei gravar vídeos no YouTube falando de língua materna e sobre nossa cultura”.
Aliás, a comunicação já estava destinada a ela, Randa Kunã Poty Rory em português significa ‘mulher flor brilhante, carismática e comunicadora’. Talvez venha daí o ímpeto de dar voz aos indígenas que se sentiram oprimidos e calados pelo medo e preconceito.
“A música que vem dos artistas indígenas não é qualquer música. Ela traz uma reflexão sobre a espiritualidade e ancestralidade. Através da minha música procuro dar voz às mulheres indígenas, às vítimas de violência doméstica, assedio e denunciar o genocídio. A música é um apoio para aquelas que ficam caladas pelo medo, para se sentir representadas e empoderadas”, finaliza.
Há pouco mais de um ano a MC lançou ‘Feminicídio’, música inspirada em história real, que na época rendeu ataques preconceituosos e machistas à artista que chegou a trancar a faculdade. Posteriormente o curso foi retomado no formato on-line.
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